Débora Girardi de Oliveira[1]
Nilva Michelon[2]
RESUMO
Este trabalho pretende contribuir com a
apresentação da realidade profissional dos educadores que trabalham em escola
de educação infantil, mostrando suas intenções, atribuições e percepções
enquanto atendentes de creche, pretendendo entender suas condições de ingresso
no serviço público, refletir sobre a necessidade de qualificação dos mesmos
para o desenvolvimento de suas funções junto às crianças de quatro meses a
cinco anos e 11 meses, bem como a transformação de conceitos que envolvem o ato
educativo nesta instituição. Para tanto, são apresentados elementos da
legislação específica, buscando reiterar a necessidade de readequação do cargo
de “atendente de creche”.
Palavras-chave:
Crianças. Creche. Educação Infantil. Trabalhadores em Educação. Educadores
INTRODUÇÃO
Enquanto
trabalhadores em educação, nos preocupamos com a qualidade com que o ensino vem
acontecendo em nossos meios. Para tanto, a educação infantil, que há tempos
deixou de ser assistencialista, em nosso país, torna-se um campo de pesquisa
com imensos nuances a serem observados, e é através desta pesquisa que podemos
dar nossa contribuição para a melhoria do trabalho que vem sendo desenvolvido
nestes locais, bem como podemos refletir sobre a importância de trabalhadores
qualificados para atuarem com estas crianças.
Então,
muito mais do que cuidar nas escolas de educação infantil, o educar é o
princípio fundamental para o desenvolvimento da clientela ali atendida, crianças
de 4 meses a 5 anos.
Objetivando
conhecer a realidade e a formação profissional dos atuantes nas escolas de educação
infantil, percebemos que o profissional que atua diretamente com estas
crianças, além do professor de educação infantil, quando existe nas turmas, é o
atendente de creche, pessoa nomeada para o cargo onde a exigência primeira é o
ensino fundamental para a prestação do concurso!
Para
que a educação atinja sua finalidade em todos os aspectos, é necessário
valorizar o profissional que nela atua. Dessa forma, consideramos necessária
uma readequação ao cargo e função estabelecida, como já acontece em diversos
municípios onde o cargo de atendente de creche foi extinto, passando a
denominar-se “educador de apoio” ou “monitor de educação infantil”.
Neste panorama, percebe-se também
que o cargo de atendente de creche está vinculado ao quadro dos servidores
públicos, não fazendo parte do quadro das Secretarias Municipais de Educação. A
revisão do cargo acima descrito, ou sua reestruturação, incluiria a possível
elaboração de um plano de carreira, melhorando as condições de trabalho e
remuneração das atendentes e possivelmente sendo um incentivo para que todos os
trabalhadores em educação se qualifiquem, buscando desenvolver um melhor
trabalho nas escolas de educação infantil, além da própria evolução pessoal.
Para
embasar nosso trabalho, a pesquisa foi estruturada e desenvolvida a partir do
livro “Creches: crianças, faz de conta & Cia”, com organização de Zilma
Moraes de Oliveira, e da cartilha “Dúvidas mais frequentes em relação à
educação Infantil”, disponibilizada pelo Ministério da Educação e Cultura, bem
como outros documentos que fazem referência a estes trabalhadores, e que
encontram-se citados nas referências bibliográficas.
Foram delimitadas as seguintes
referências: o lugar (escola municipal de educação infantil), a realidade de
trabalhos dos atendentes de creche (atribuições segundo suas nomeações para o
cargo), os sujeitos: as condições de qualificação das atendentes, suas
percepções sobre o trabalho que desenvolvem na escola e a dimensão que toma
esse “educar”.
Esses eixos apresentaram a realidade
de como esta infância está sendo educada na escola municipal. Para que a
pesquisa acontecesse, foi utilizada a coleta de dados, através de questionário
(de resposta opcional) individual, com identidade preservada das participantes,
onde foram apontados dados sobre a realidade das “cuidadoras/educadoras”,
buscando entender e refletir sobre suas condições de qualificação perante a
realidade educacional da primeira
infância, bem como a transformação de conceitos que envolve o ato
educativo nesta instituição ao longo de seus anos de serviços na comunidade.
Foi entrelaçado, na pesquisa, o visível (situações que acontecem na rotina
diária) e o que não aparecem na situação cotidiana, mas que repercutem em
questões de legislação e de atribuições funcionais.
2 UM OLHAR DIFERENCIADO SOBRE OS
TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO INFANTIL
Quando pensamos em educação infantil, logo
nos remetemos aos locais onde ela é oferecida, as escolas de educação infantil,
anteriormente conhecidas como “creches’, onde é proporcionada às crianças da
faixa etária compreendida entre 4 meses a cinco anos e 11 meses”.
No Brasil, a Educação
Infantil é oferecida em instituições diversas, como em creches, pré-escolas,
centros ou núcleos de Educação Infantil, como também em salas anexas a escolas
de ensino fundamental. As instituições públicas são gratuitas, laicas e
apolíticas, ou seja, não professam credo religioso e político partidário. (MEC,
2009, p. 27)
Também existem as privadas, que podem ser
particulares, comunitários, confessionais e filantrópicas.
As instituições de Educação Infantil destinam-se às
crianças, brasileiras e estrangeiras, sem distinção de gênero, cor, etnia,
proveniência social, credo político ou religioso, com ou sem necessidades
especiais. Cabe às gestoras e aos gestores das instituições de educação
Infantil permitir a matrícula ao longo de todo o ano letivo, sempre que houver
vaga disponível. Entretanto, matricular ou não uma criança de 0 até 6 anos na
instituição de Educação Infantil é um ato de livre vontade das mães e dos pais
e/ou responsáveis pelas crianças (MEC, 2009, p. 28).
Em nosso país, porém, é ainda necessário
ampliar o número de vagas e posteriormente o número de Escolas de Educação
Infantil, visando atender a crescente demanda dessa faixa etária.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 9.394 de 1996, dispõe sobre a Educação Infantil no seu artigo 29:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade (p. 12). Já a “Política
Nacional de Educação Infantil” parte dessa finalidade para estabelecer como uma
de suas diretrizes a indissociabilidade entre o cuidado e a educação no
atendimento às crianças da Educação Infantil
(Brasil, 2008, p. 28).
Assim, através deste artigo, pretendo mostrar
a importância da qualificação dos trabalhadores em educação infantil, que
precisam de conhecimentos específicos para dar conta desta realidade
educacional que as leis maiores pretendem proporcionar nas escolas de educação
infantil.
Nessa perspectiva, frente à forma como o
trabalho vem sendo conduzido nas escolas de educação infantil públicas de um
município da serra gaúcha, analisamos através de um olhar diferenciado, a forma
com que os trabalhadores concursados como “atendente de creche” atuam na
educação infantil e de que forma conduzem o trabalho com essas crianças em sua
primeira infância. Para dar conta desta pesquisa, nos propusemos a trabalhar em
apenas uma das quatro escolas municipais existentes.
2.1
COMEÇANDO A “TRABALHAR” COM CRIANÇAS
Muito mais do que apenas cuidar das crianças,
como acontecia quando foram criadas, com caráter assistencialista, pois eram
locais onde as mães deixavam os filhos para irem trabalhar, é necessário
perceber as escolas de educação infantil como ambientes de aprendizagem, onde
então há que se garantir um serviço de qualidade com base nas especificações
das etapas de desenvolvimento das crianças. Proporcionar essa qualidade nas
escolas, através de Projetos Políticos-pedagógicos organizados pelas equipes
diretivas e posteriormente com a participação da comunidade escolar, implica
também na colaboração de pessoal comprometido com o ato educativo, como já
apontava Oliveira (1995):
Para fazermos uma proposta renovadora de trabalho para a
creche e aproximá-la de um contexto dinâmico, vivo, de aprendizagem, são
necessários muitos conhecimentos. Temos que ter uma visão sócio-política,
antropológica, cultural, econômica, psicológica, pedagógica do que significa
tal instituição, qual sua função hoje para as muitas crianças que nela vivem. [“...]
dentro dessa visão sistêmica, contextualizada da creche, temos ainda que tomar
seu protagonista básico, que é a criança, e conhecer seu desenvolvimento, sua
forma de ser e de se modificar em um contexto sócio histórico concreto.” (p. 15
e 16).
Não objetivamos nos ater nas fases de
desenvolvimento da criança, unicamente, neste trabalho, pois inúmeros já foram
realizados a respeito, mas sim, enfatizar a importância da relação desta para
com os adultos, e vice-versa, e dela com o meio, nas instituições de educação
infantil, mencionada por Oliveira (1994, p. 30):
Especial importância é atribuída então ao fator humano
presente no ambiente. É através da interação com outras pessoas, adultas e crianças,
que desde o nascimento, o bebê vai constituindo suas características: modos de
agir, penar, sentir e sua visão de mundo, seu conhecimento.
Percebendo a importância da qualidade do
trabalho com as crianças desta faixa etária, onde se deve priorizar sua
concepção , seu desenvolvimento e formas de expressão, a presente pesquisa
envolveu a participação de 25 atendentes de creche de uma escola do município,
inserida na comunidade há 34 anos, onde hoje são atendidas 145 crianças, com o
objetivo de conhecer a realidade e a formação profissional desses
trabalhadores.
No
local, são atendidas crianças cujo nível sócio econômico é diferenciado. Há
ainda o trabalho de sete professoras de educação infantil, uma em cada turma,
mas apenas em um dos turnos de funcionamento, sendo que no outro as crianças
são atendidas apenas pelos atendentes e ou estagiários, que são três. Diretora,
Coordenadora Pedagógica, secretária, três serventes e três merendeiras compõem
o quadro de funcionários da instituição.
Há também, o apoio do Grupo de Apoio
Psicopedagógico e Multidisciplinar, composto de psicóloga, Assistente Social,
Psicopedagoga e Nutricionista, que comparecem na escola mensalmente. Um Círculo
de Pais e Mestres auxilia a direção no cumprimento das questões burocráticas, bem
como o Conselho Escolar, composto por alguns pais, funcionárias e equipe
diretiva.
Na pesquisa, feita através da coleta de
respostas a questionamentos entregues às atendentes, cujas identidades foram
preservadas, constatamos as atribuições, suas condições de qualificação,
percepções sobre o trabalho que desenvolvem e a dimensão que toma esse “educar’,
apresentando a realidade de como esta infância vem se desenvolvendo na escola
municipal”. Através da coleta dessas respostas, foram apontados dados sobre a
realidade desses “cuidadores/educadores”, onde podemos entender e refletir
sobre suas condições de qualificação perante a realidade educacional da
primeira infância, bem como a transformação de conceitos que envolvem o ato
educativo nesta instituição ao longo de seus anos de serviços na comunidade.
Pudemos entrelaçar o visível (situações que acontecem na rotina diária) e o que
não aparecem na situação cotidiana, mas que repercutem em questões de
legislação e atribuições funcionais.
Buscando referenciais teóricos, procuramos
entrelaçar a realidade vivida neste local onde as crianças não são apenas
cuidadas, mas também onde aprendem as primeiras sensações (comer, dormir,
brincar, higiene, socialização, convivência). Como define Oliveira (1995,
p.64):
A creche é um dos contextos de desenvolvimento da
criança. Além de prestar cuidados físicos, ela cria condições para o seu
desenvolvimento cognitivo, simbólico, social e emocional. O importante é que a
creche seja pensada não como uma instituição substituta da família, mas como
ambiente de socialização diferente do familiar. Nela se dá o cuidado e a
educação de crianças, que aí vivem, convivem, exploram, conhecem, construindo
uma visão de mundo e de si mesmas, constituindo-se como sujeitos.
É
nesse local, onde há a presença (ou não) de um professor especializado na área,
em que surge o trabalho do atendente de creche, funcionário público nomeado
através de concurso público.
2.2
A Realidade das Atendentes de Creche
Frente
a tantas leis que posicionam sobre o caráter educacional das escolas de
educação infantil, acreditamos ser imprescindível analisar a contratação das
pessoas para as quais o trabalho dar-se-á com os pequenos. No entanto, para o
cargo público “atendente de creche” estão sendo nomeadas pessoas neste local
com a escolaridade mínima exigida de 1º. Grau ou equivalente, segundo o último
edital (no. 077/2014) para concurso público, de 08 de abril de 2014. O referido
edital apresenta ainda a descrição do cargo em sua página 39: CATEGORIA
FUNCIONAL: ATENDENTE DE CRECHE. SÍNTESE DOS DEVERES:
Realizar atividades de natureza simples, envolvendo a
realização de trabalhos auxiliares de preparação de alimentos, limpeza e
atividades educativas em creches. EXEMPLOS DE ATRIBUIÇÕES: Realizar atividades
simples de lactário e berçário; auxiliar nos serviços de enfermagem; auxiliar
nos serviços de atendimento materno-infantil; fazer trabalhos nas diversas
dependências da creche; executar tarefas relacionadas com a distribuição de
merendas; refeições e outros tipos de alimentos; auxiliar nas atividades educativas e
recreativas em creche, tais como: jogos, brinquedos e demais atividades
recreativas; auxiliar nos serviços de limpeza em geral nas dependências da
Creche; executar outras tarefas
correlatas.”
Tendo em vista o exposto acima, não
é de estranhar o fato de que 20 pessoas entrevistadas admitiram que o principal
motivo que as levou a prestar o concurso seria “gostar de crianças”. Apenas 3
visaram à estabilidade do serviço público. Dez entrevistadas não sabiam quais
seriam suas funções quando foram nomeadas para o cargo e nove sabiam, mas
observaram que também teriam outras atribuições. Apenas quatro já sabiam o que
deveriam fazer.
Sabendo-se que a LDB 9394 de 1996 já
mencionava como necessária a formação para o trabalho em educação infantil,
constatamos que tal município ainda não se adaptou às novas exigências legais e
educacionais no que se refere ao desempenho da função referida.
Tais atribuições descritas acima sofrem ainda
alterações quando a pessoa passa a desenvolver suas atividades na escola de
educação infantil. A primeira, e talvez a mais relevante, é a de ser chamada de
“profe”, fato que constatamos através do convívio na escola.
Perguntamos então, sobre a formação inicial,
quando ingressaram no serviço público, e constatamos que inicialmente apenas
três funcionárias possuíam ensino superior em Pedagogia, outras duas com ensino
superior em alguma licenciatura, seis com ensino médio na modalidade
magistério, sete com ensino médio e três com ensino fundamental, apenas. Porém,
com o tempo de serviço, algumas perceberam a necessidade de estudar, situação
essa observada quando pedimos se sentiram necessidade de ter formação em algum
momento exercendo suas funções, onde a grande maioria (21 pessoas) responderam
que sim, em algumas situações de comportamento das crianças.
Isso
se evidencia na volta aos estudos: apenas uma continua apenas com o ensino
fundamental; nove possuem ensino médio, quatro fizeram o ensino médio
modalidade magistério, três com ensino superior em alguma licenciatura, cinco
com ensino superior em pedagogia e duas possuem Pós-Graduação. Visto que algumas
nomeadas para o cargo têm realmente, formação em magistério ou em
licenciaturas, que então podem assim ser chamadas de “profe” dada qualificação
anterior, mas não para a qual foram admitidas.
Segundo
o documento Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (MEC, 2008), os
profissionais que atuam diretamente com as crianças nas instituições de
Educação Infantil deveriam ser professoras e professores de Educação Infantil,
cuja
[...] habilitação exigida para atuar na Educação Infantil
é em nível superior, pedagogia ou modalidade normal, admitindo-se, como
formação mínima, a modalidade normal, em nível médio. Professores sem a
formação mínima exigida por lei que exercem funções de professora ou professor
de Educação Infantil, quer sejam titulares ou auxiliares, obterão a formação
exigida com o apoio da instituição onde trabalham. Caso atuem na rede pública,
contarão também com o apoio dos sistemas de ensino”. (p. 39)
Perguntamos às funcionárias o quanto
consideravam importante o seu trabalho com crianças, e a grande maioria (20
pessoas), disse que considera muito importante, pois contribui e auxilia as
crianças a se desenvolverem e expressarem-se nas suas diferentes formas de
aprender. Elas definem o seu papel principal na escola como “contribuir para o
desenvolvimento das crianças” (21 pessoas), enquanto três acham que seu papel é
“cuidar e tomar conta das crianças”. A grande maioria (23 pessoas) considera-se
também responsável pela formação e educação das crianças de sua escola, pois
auxiliam no seu desenvolvimento e crescimento individual e coletivo, bem como
acreditam além de serem funcionárias, serem educadoras, como enfatizou Oliveira
(1995):
O que é necessário ao educador de creche para conseguir
promover boas experiências de aprendizagem com suas crianças? Seguramente ele
deve ser capaz de observar, reconhecer e avaliar o nível de desenvolvimento das
crianças e suas necessidades. Fundamental nesse processo é a atitude de tentar
colocar-se no lugar da criança para captar sua forma de ser e as hipóteses que
está construindo sobre o mundo em cada momento. (p. 73)
As demais alterações passam
pela parte pedagógica, onde muitas são solicitadas a contribuir com o
desenvolvimento das atividades que irão desenvolver junto às crianças (21
pessoas). Três mencionaram que contribuem apenas quando o professor solicita.
Quanto ao ambiente de trabalho, treze mencionam que às vezes dão contribuições
e sugestões para melhorar suas salas, e dez sempre se posicionam para tanto.
Durante o desempenho de suas funções, relatam
que exercem várias atividades que acreditam não ser suas funções: participar de
reuniões pedagógicas, planejamento de aulas e atividades, aplicação de aula,
realizar observações por escrito e posterior relatá-las em Pareceres
Descritivos individuais, avaliação e encaminhamento das crianças com
dificuldades (cognitivas, emocionais, motoras), preenchimento de caderno de
atividades, participação em eventos (palestras, seminários, encontros de
formação) fora do horário de trabalho e preparação de material pedagógico,
caracterizando-se, de certa forma, em trabalho docente. Fica evidente que estão
desempenhando funções para as quais algumas não possuem nenhuma informação e
preparo para desempenhá-las, pois são aspectos técnicos que somente podem ser o
resultado de formação profissional.
Quando perguntamos se participam dos
encontros de qualificação promovidos pela secretaria de educação (palestras,
seminários, oficinas), duas pessoas disseram que não participam, pois os mesmos
não são úteis para o cargo que exercem, duas participam, pois sentem-se
obrigadas a participar e a grande maioria, 20 pessoas, disseram que participam
pois precisam obter novos conhecimentos.
Por
outro lado, várias pessoas candidatam-se ao cargo possuindo apenas o referido
“1º. Grau” como escolaridade, chegando à escola com a boa vontade de aprender a
ser atendente, e deparando-se com pesadas solicitações que caberiam aos profissionais
da educação (professores e pedagogos). Relatos de novas atendentes dão conta a
real situação que se deparam quando assumem suas funções no serviço público. A
maioria não está preparada para desenvolver atividades junto às crianças, e são
‘colocadas dentro das turmas, chegando a permanecerem com os educandos no turno
integral. Assim, perguntando se participariam de cursos de qualificação nesta
área, se lhes fosse oferecido, a maioria (20 pessoas) respondeu que sim, pois
sentem necessidade de ampliar esses
conhecimentos. É notória a necessidade, então, de possuírem formação
específica , como enfatiza Oliveira (1995, p. 105):
Em seu trabalho com as crianças, o educador enfrenta,
muitas vezes, situações críticas, tais como as de oposição da criança ao
adulto, de birra, agressões e mordidas entre as crianças, o controle de
esfíncteres, a curiosidade ou os jogos sexuais infantis. Tais situações o
deixam, com frequência, inseguro. Algum conhecimento, além da tranquilidade e
capacidade de negociação, são necessárias para, ao mesmo tempo, superá-las e
favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças.
O
trabalho desenvolvido pelas atendentes de creche com anos de nomeação é outro
fator relevante. A maioria demostra um fazer, uma prática, de excelente
qualidade, quanto aos aspectos afetivos, de imposição de limites, de
praticidade de interferências entre crianças e pais, de criatividade,
responsabilidade e compromisso para com o desenvolvimento integral das
crianças, o que não poderia ser menosprezado. Os anos de prática aliados ao
comprometimento com a causa fazem-nas exemplares de educadoras, que sem dúvida
contribuem com sua parcela de modo significativo para a educação dos pequenos,
auxiliando-os em seu desenvolvimento, como sugeriu Oliveira (p.106),
referindo-se à superação de desafios que as crianças frequentemente impõem ao
educador:
Este tem muitas vezes de fazer toda uma negociação com as
crianças, para contornar um confronto que poderá dificultar uma resolução satisfatória
do problema, pois entendendo o porquê da oposição sistemática da criança em
certos momentos, o adulto terá maior facilidade em lidar com ela.
Finalizando
a pesquisa, foi perguntado se uma readequação do cargo de atendente de creche
para “educador de apoio” ou “monitor de educação infantil” melhoraria as
condições de trabalho e a remuneração, onde 23 pessoas se mostraram favoráveis,
dizendo pretender lutar por essas condições.
3 POSSIBILIDADES DE MUDANÇA?
Quando
pensamos em realizar esta pesquisa, por sermos conhecedoras desta realidade, a
finalidade principal é o foco na qualidade da educação que está sendo
proporcionada na esfera municipal da educação infantil. Em tempos onde o
discurso do governo sobre a “prioridade da educação” se estende ao horário
nobre na mídia, tentando disseminar o slogan “Pátria Educadora”, perguntamo-nos
se há como reverter essa realidade vivida e apresentada aqui.
Analisamos
vários documentos disponibilizados pelo MEC e sempre constatamos a necessidade
de os municípios agirem em conjunto com Estados e União na oferta de uma
educação de qualidade. Como apontam os Parâmetros para a Educação Infantil
(MEC, 2009):
Na maior parte das creches, as crianças permanecem em
tempo integral, voltando para suas casas diariamente. A creche, assim,
caracteriza-se, quase sempre, pela presença de crianças menores de 4 anos e
pelas longas horas que ali permanecem diariamente. [...] Atingir, concreta e
objetivamente, um patamar mínimo de qualidade que respeite a dignidade e os
direitos básico das crianças, nas instituições onde muitas delas vivem a maior
parte de sua infância nos parece, nesse momento, o objetivo mais urgente. (p.
7).
Percebe-se
que no “papel”, o discurso sempre é semelhante, mencionando a necessidade de
oferta de atendimento de qualidade às crianças da educação Infantil, bem como
de profissionais que sejam qualificados, responsáveis, conhecedores das
especificidades da clientela com as quais irão trabalhar:
A formação prévia e em serviço concebe que é função do
profissional de creche educar e cuidar de forma integrada. Os profissionais
dispõem de conhecimentos sobre desenvolvimento infantil. A política de creche
reconhece que os adultos que trabalham com as crianças têm direito a condições
favoráveis para seu aperfeiçoamento pessoal, educacional e profissional. (CAMPOS, 2009, p. 34)
Delimitam o campo “profissionais que atuam na
educação infantil” como sendo realmente um trabalhador qualificado, porém
diferente da realidade.
Os profissionais de creche dispõem de um nível de
instrução compatível com a função de educador. A formação prévia e em serviços
dos profissionais contempla o acesso à cultura e a ampliação dos conhecimentos
das crianças como aspectos importantes do trabalho da creche. A política de
creche propicia que os educadores ampliem seus conhecimentos e sua formação
pessoal, educacional e profissional. (CAMPOS, 2009, p. 39)
Porém, o documento “Dúvidas mais frequentes
sobre educação Infantil”, apresenta considerações sobre esses trabalhadores:
No processo de integração e regulamentação
das creches e pré-escolas no âmbito do sistema educacional brasileiro
constatam-se avanços, mudanças, fragilidades e tensões dentre as quais se
destaca a ambiguidade referente ao profissional da educação infantil. Essa ambiguidade
expressa-se em diferentes formas.
· A
primeira diz respeito à existência de profissionais que já atuavam em creches e
pré-escolas, antes da data de publicação da LDB, possuíam formação de
professor, desempenham função docente, mas prestaram concurso para outros
cargos do quadro geral da Prefeitura.
· A
segunda refere-se a profissionais que já trabalhavam em creches e pré-escolas,
antes da LDB, não possuíam formação de professor (o que não era exigido),
prestaram concurso para outro cargo, mas desempenham função docente e atualmente
possuem formação de magistério.
· A
terceira e mais frequente, engloba um conjunto de profissionais que fizeram
concurso, pós LDB, para cargos diversos do quadro de servidores como auxiliar,
monitor, recreacionista, brincante, cujo edital não exigia a formação de
professor, mas na realidade desempenham função docente.
Dessa forma, é importante distinguir
essas três situações para que o Município não incorra em irregularidade. Como
forma de atender aos profissionais que atuam como auxiliares monitores 6 etc,
alguns Municípios estão adotando a transformação desses cargos e enquadrando
seus ocupantes no cargo de magistério. No entanto, é imperioso esclarecer que a
transformação de cargos públicos ocorre quando da extinção de cargo anterior e
a criação de novo cargo público. A transformação decorre da extinção e da
criação de novo cargo público. O que, normalmente, não ocorre no caso desses
Municípios (p. 17)
Assim,
o documento acima citado aponta para as mudanças que podem ocorrer, objetivando
a readequação dos cargos públicos, o que nos parece bastante claro e passível
de realização, desde que haja a “boa vontade” para a mudança.
Sempre
lembrando a intencionalidade desta pesquisa quanto à qualificação do
profissional que atua nas escolas de educação infantil, dando a real
importância a esta etapa inicial da infância,
Um
educador de creche deve estar atento para os limites e desafios que permeiam a
aprendizagem da primeira infância, já que:
[...] também se constitui enquanto tal nas relações e interações
que estabelece tanto com as crianças como com as famílias e com os outros
profissionais das instituições. Ele vai se constituir de forma diferente
conforme perceba seu papel na creche e junto às crianças. Assim, poderá se ver
como alguém que apenas ‘cuida’ e ‘toma conta’ das crianças ou como alguém que
contribui ativamente para o desenvolvimento das mesmas. Estas percepções de seu
papel são dinâmicas e podem ser modificadas com a experiência, especialmente
através de programas de formação.” (OLIVEIRA, 1995, p. 32).
Analisando outros documentos, continuamos com
a nossa intenção. Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil, organizados em 2008 pelo Ministério de Educação e Cultura, propõem
“requisitos necessários para uma Educação Infantil que possibilite o
desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social.” (vol. 2, p. 9),
salientando a parcela de contribuição do Estado na oferta desta modalidade
educacional:
A qualidade não pode ser pensada exclusivamente em função
do que é oferecido em cada instituição de Educação Infantil, pois depende do
apoio e da orientação oferecidos pelo poder público. Dessa forma, um sistema
educacional de qualidade é aquele em que as instâncias responsáveis pela gestão
respeitem a legislação vigente, têm papéis definidos e competências delimitadas
e apoiam financeira, administrativa e pedagogicamente as instituições de
Educação Infantil a ele vinculadas.” (vol. 2, p. 13)
Fica
evidente a negligência do poder Público Municipal quanto à observação destes
quesitos, pois Cabe às secretarias municipais de educação, visando a definir e
a implementar a política municipal para a área, em consonância com a legislação
vigente e com os princípios expressos na Política Nacional e Estadual de
Educação Infantil :
- estabelecer diretrizes, objetivos,
metas e estratégias para a área no que se refere à organização, ao
financiamento e à gestão do sistema educacional como um todo, à garantia
das vagas demandadas pela população, à formação dos profissionais, ao
credenciamento das instituições de Educação Infantil única e
exclusivamente para o cuidado e a educação das crianças de 0 até 6 anos de
idade;
- responsabilizar-se pela qualidade
do atendimento nas instituições de educação Infantil em âmbito municipal ;
- o desenvolvimento de uma Política
de Educação Infantil, em conformidade com a legislação nacional, demanda
que as secretarias municipais de educação:
a.
realizem programas municipais de formação de
todos os profissionais de Educação Infantil de modo contínuo e articulado;
b.
articulem-se com as instituições formadoras a
fim de garantir que os conteúdos necessários à formação dos profissionais de
Educação Infantil contemplem a faixa etária de 0 até 6 anos, com especial
atenção ao trabalho com bebês;
c.
autorizem apenas a contratação, nas
instituições de Educação Infantil, de professores, diretores e coordenadores
com a formação exigida;
d.
promovam a admissão de professores na rede
pública somente por meio de concurso;
e.
implementem plano de cargos e salários para
os profissionais da Educação Infantil;
f.
promovam a habilitação exigida pela
legislação para os profissionais que ainda não a possuem,;
g.
promovam a formação continuada dos
professores e de outros profissionais que atuam nas instituições de Educação
Infantil” ((MEC, 2008, p. 18-21).
Todos
esses aspectos legais deixam de ser observados no município em questão, onde se
continua com a mesma forma de contratação de pessoas como no início das
atividades da referida escola de educação infantil, há quase 40 anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que a educação atinja sua finalidade em
todos os aspectos, é necessário valorizar o profissional que nela atua. Dessa
forma, consideramos uma readequação ao cargo e função estabelecida, como já
acontece em diversos municípios onde o cargo de atendente de creche foi
extinto, passando a denominar-se “educador de apoio” ou “monitor de educação
infantil”.
A revisão do cargo acima descrito, ou sua
reestruturação, incluiria a possível elaboração de um plano de carreira,
melhorando as condições de trabalho e remuneração das atendentes e
possivelmente sendo um incentivo para que todos os trabalhadores em educação se
qualifiquem, buscando desenvolver um melhor trabalho nas escolas de educação
infantil, além da própria evolução pessoal.
Como
prevê o Plano Nacional de Educação, aprovado no ano de 2014, após quatro anos de tramitação no Congresso,
estando em pleno desenvolvimento, com reuniões em âmbito municipal, estadual e
nacional, visando à melhoria de acesso e qualidade na educação em todos os
níveis, a Educação será a prioridade das prioridades dos próximos anos, onde
espera-se um novo ciclo de desenvolvimento do país. Assim sendo, as
articulações necessárias à sua aplicação deverão acontecer nos próximos meses,
e então talvez colheremos os frutos desta mobilização nacional pela educação.
No que diz respeito à formação de educadores, o discurso é bom, esperançoso.
Porém, ainda não percebemos ações reais de oferecimento de qualificação a essa
parcela de trabalhadores.
Segundo
as leituras que fizemos para a composição deste trabalho, é de responsabilidade
da Secretaria Municipal de Educação, visando a definir e a implementar a
política municipal de educação infantil, de acordo com a legislação vigente,
acima descrita, a qualidade do atendimento nas instituições de educação
infantil. Além das diretrizes, objetivos, metas e estratégias que organizam,
financiam e gerenciam o sistema de educação, é também sua responsabilidade a
formação dos profissionais que nela atuam.
Quanto
ao Conselho Municipal de Educação, dentre suas ações específicas para o
cumprimento da legislação, sugerimos que se manifeste quanto à Educação
Infantil do município, bem como em questões relativas à formação dos profissionais
que atuam e que atuarão nesta área, pois pelo acompanhamento que tivemos na
formulação do Plano Municipal de Educação percebemos a preocupação da
comunidade em relação a essa área.
A
distância entre o que diz a lei e as demandas sociais (acesso às escolas,
qualidade do serviço prestado, entre outras), é grande, e há muito que discutir
após evidenciarmos tantas contradições a serem superadas.
Acredito que a qualidade do trabalho em
educação infantil, especialmente do educador, esteja ligada a diversos fatores:
responsabilidade, dedicação, afetividade e disposição para ver, ouvir e
perceber as crianças.
É
nisso que consiste uma educação realmente eficaz e necessária nos dias atuais,
onde a escola acaba tornando-se o local onde as crianças podem ser elas mesmas,
onde elas aprendem pelos exemplos dos adultos, onde aprendem com as relações
que estabelecem com os seus colegas e consigo mesmo e talvez seja o único local
onde recebem carinho e atenção exclusiva. A modernidade apresenta diversas concepções
de famílias, cada qual com seus compromissos e culturas, onde nem sempre há
espaço e tempo suficiente para a dedicação dos pais às solicitações dos filhos.
Desta forma, a escola de educação infantil atua como a preparação inicial da
criança para a vida em sociedade, onde ela aprenderá mais do que dividir:
aprenderá a ser pessoa, compartilhar, fazer amigos e aprender regras básicas de
sobrevivência no nosso mundo tão individualista e preconceituoso.
E então, os educadores em questão,
entrevistados nesta trabalho, têm essa real dimensão do que é necessário para
proporcionarem momentos de aprendizado e desenvolvimento satisfatórios e
adequados às crianças?
O Poder Público Municipal e a
Secretaria Municipal de Educação têm conhecimento sobre essa legislação, porém,
não trabalham em conformidade. Cabe a nós, educadores, apontar a necessidade de
melhoria da qualidade do trabalho junto à escola de educação infantil? Acredito
que sim, pois para os pais, desde que hajam vagas para os filhos, está tudo bem.
Com esse trabalho de pesquisa, surge uma
contribuição para o crescimento da comunidade na qual estamos inseridos,
permitindo a reflexão acerca dessas condições de trabalho e trabalhadores, além
da discussão sobre a necessidade de transformação do “cargo de atendente de
creche”, bem como sua reorganização e possibilidades.
Continuamos com nossas reflexões diárias
enquanto educadoras e nosso trabalho e fazer pedagógico, enquanto procuramos
contribuir para uma mudança significativa no contexto educacional da primeira
infância bem como uma real intervenção no rumo da história da educação infantil
no município.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
Brasil, Ministério da
educação. Secretaria de educação Básica. Parâmetros
de Qualidade para a Educação Infantil. V. 2. Brasília, DF, 2008.
_____, Ministério da educação. Secretaria de
educação Básica. Dúvidas Frequentes na Educação Infantil.
http://portal.mec.gov.br/duvidas_mais_frequentes_relacao_
educacao_infantil%pdf – acesso em 07/03/2015
CAMPOS, Maria Malta.
Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais
das crianças. Brasília: MEC, SEB, 2009.
Ratier, Rodrigo. Qual será a Educação da “pátria educadora”?
– Revista Nova Escola, fevereiro 2015.
OLIVEIRA, Zilma de
Moraes. Creches: crianças, faz de conta
& cia. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1992. 4ª. Edição, 1995.
UNARS, Edital de concursos.
http://www.unars.com.br/concursos/editais/105_2878_
Edital_de_Abertura_dos_cargos.pdf acesso em
07/03/2015
[1]Graduação em Pedagogia – Licenciatura
Plena, Habilitação Magistério Para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental
pela UCS – Universidade de Caxias do Sul/RS. Especialização em Educação
Infantil e Séries Iniciais com ênfase em Ludopedagogia e Literatura Infantil
pela FAMEPLAN- Faculdade Metropolitana do Planalto Norte. Rua Sen. Felipe
Schmidt, 1355 - Canoinhas - S/C. E-mail: deboragirardi@yahoo.com.br.
[2] Orientador: [2]Professora
Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em
Ludopedagogia e Literatura Aplicadas a Educação Infantil e Anos Iniciais pela
FAMEPLAN- Faculdade Metropolitana do Planalto Norte. Rua Sen. Felipe Schmidt,
1355 - Canoinhas - S/C. E-mail:nilvamichelon@yahoo.com.br